
Foto: Fábio Massa / CECB
Cantina de escola também é lugar para aprender. Desde novembro de 2015, quando o Diário Oficial publicou a regulamentação da lei que proíbe as escolas de ensino básico do Distrito Federal de oferecerem balas, pirulitos, chicletes, biscoitos recheados, refrigerantes, sucos artificiais e bebidas alcoólicas, salgadinhos, frituras, pipoca e alimentos industrializados, as cantinas precisaram adaptar-se a uma realidade que deverá influenciar positivamente na saúde dos jovens.
A considerar a Lei 5.146 de 19/8/2013, recém regulamentada, as cantinas escolares precisarão ser criativas na elaboração dos produtos que ofertam aos estudantes para tornarem suas vitrines atrativas e as merendas saborosas. A lei determina que podem ser vendidos legumes, frutas, sucos naturais, iogurte, bebidas lacteadas, sanduíches naturais sem maionese, pães e biscoitos integrais, tortas ou salgados assados e barras de cereais sem chocolate. Ainda devem ser oferecidas frutas da estação diariamente.
Doenças precoces – Ocorre que, nos últimos 15 anos, começou-se a observar no Brasil um aumento de crianças portadoras de doenças crônicas não transmissíveis causadas pela má administração alimentar e pela falta de exercício físico. Entre essas, a diabetes, a hipertensão e a obesidade, explica a coordenadora dos Cursos de Nutrição e Gastronomia, Cristine Savi Fontanive, da Universidade Católica de Brasília (UCB).
A formação de hábitos alimentares saudáveis na infância é fundamental para a qualidade da saúde do adulto no entendimento dos nutricionistas.
As crianças começam a ter acesso à lanchonete da escola a partir do 2º ano. Mães mais atentas à formação de bons hábitos colocam na lancheira um suco, um sanduíche natural, independente da lei, mas se o colega levar bolacha recheada, eles dividem, comenta a nutricionista ao considerar que se houver a oferta de alimentos não saudáveis, os alunos irão consumi-los, porque são ricos em açúcares, gorduras e sódio, ingredientes que dão muito sabor e “são a razão da nossa luta contra a ingestão desregrada desses itens”. Cristine assinala que a alimentação inadequada traz calorias vazias, “aquelas que não possuem nutrientes como vitaminas minerais. Significa que a criança só está consumindo alimentos prejudiciais. São açúcares que vão aumentar a produção de insulina, levando à obesidade, doenças cardiovasculares e aumento de colesterol”.

Foto: Nutrição / UCB
E ela enfatiza: trabalha-se a questão nutricional a vida inteira, mas é muito importante na infância. A função de orientar sobre a alimentação é primeiramente da família, depois, da escola. Agora, por força da lei, a escola tem que cumprir este papel. O grande problema são os vendedores ambulantes que ficam próximos às instituições de ensino. Um conselho da nutricionista é que simultaneamente à aplicação da lei junto às cantinas, as escolas incluam a educação alimentar e nutricional no projeto pedagógico com a promoção de palestras, oficinas educativas, práticas de culinária e, de forma transversal, associe o assunto a algumas disciplinas como ciências, com acompanhamento de um nutricionista capacitado a gerar consciência sobre o valor desta medida. “É importante alcançar os pais, a luz amarela está acesa nesta questão no Brasil”, alerta.
Saiu na frente – O CECB já mostra este cuidado com a alimentação dos alunos do ensino básico mesmo antes da Lei 5.146 que determina as diretrizes para a promoção de alimentação adequada e saudável nas escolas.
Cátia e Carlos Cardoso, que respondem pela cantina do CECB, relatam que desde 2014 não oferecem refrigerantes, frituras e salgadinhos industrializados, bem como balas e chocolates aos estudantes. No lugar, há a opção de sucos naturais, folhados assados, pão de queijo, pão pizza, pão de hambúrguer, tortas salgadas, sanduíche natural com pão de farinha integral, bolo de cenoura e barra de cereais sem chocolate. Mas eles notam que muitos pais preparam as lancheiras em casa com sucos de caixinha e outros itens que não podemos oferecer. Alguns pais reagem com críticas diante do cardápio da cantina. Dizem que a escola esta tirando-lhes o livre arbítrio sobre a alimentação de seus filhos. “As crianças estão se adaptando, mas o que ofende alguns pais é o fator proibição. Contudo, há os que elogiam”, relata Cátia considerando uma questão de tempo até a adaptação de todos. Para Carlos, neste momento, quem sofre é o comerciante da cantina. A frase que mais ouve ainda é “isto é um absurdo!”

Foto: Nutrição / UCB
Antes foi Minas – Em Minas Gerais, onde há duas escolas de ensino básico do Grupo UBEC, o CECMG e o Colégio Padre De Man, a lei é aplicada desde 2009 e prevê a promoção da saúde de estudantes e a prevenção da obesidade infantil. São vedados, nas escolas públicas e privadas do Estado, o fornecimento e a comercialização de produtos e preparações com altos teores de calorias, gordura saturada, gordura trans, açúcar livre e sal, ou com poucos nutrientes.
De acordo com a diretora do CECMG, Vania Lamas, a Lei nº 18.372 é aplicada dentro da escola e, no início do ano letivo, as medidas adotadas são divulgadas aos pais em reunião de esclarecimento sobre os motivos pelos quais a cantina escolar não oferece guloseimas, frituras e refrigerantes. No CECMG, a sugestão da nutricionista da Católica é aplicada. Segundo Vânia, “trabalhamos a conscientização das crianças por meio da promoção de palestras com nutricionistas”. Adotamos este posicionamento a partir de 2011, informa.
No Colégio Padre De Man, a diretora Ledsônia Ferreira, também confirma que as cantinas não oferecem balas, pirulitos e refrigerante. Conta que os salgados são assados e as massas dos pães não levam gordura hidrogenada.
Como boa representante dos mineiros, aos 12 anos, Amanda, estudante do Padre De Man, já elegeu seu lanche preferido diante das restrições que a Lei determina. O pão de queijo é o campeão para a aluna do 8º ano. “Continuo não gostando de sanduíche natural”, ela afirma ao reconhecer que sua alimentação mudou muito e inclusive fora da escola opta pelos salgados assados aos fritos, pelos sucos aos refrigerantes. Mas Amanda observa que alguns colegas ainda levam biscoitos de casa.
Andreia Levis Rocha, mãe de estudante do Padre De Man e professora de escola estadual, diz que prefere dar o dinheiro do lanche para os filhos comprarem na escola por saber que não se alimentarão com salgados industrializados e refrigerantes. A mãe observa, porém, que como são muitas crianças que se alimentam na escola, a fila da cantina fica muito grande e ela teme pelo fato de que os filhos não tenham tempo de se alimentarem no período dedicado ao intervalo.
Meu lanche “ruim” – No Distrito Federal, com exigências mais recentes, as mães observam as reações dos filhos diante do que é oferecido na cantina. A mãe de Victor e Gabriele, Paola Godoy Germi Pereira, conta que os dois têm visões diferentes sobre alimentação saudável do CECB. Eles levam o lanche de casa e enquanto o menino gosta do que a mãe coloca na lancheira, a menina questiona: por que só eu levo lanche ruim?

Foto: Nutrição / UCB
Amanda, que sempre priorizou verduras, frutas e assados em casa, diz que passa esta orientação aos filhos, mas reconhece que a lanchonete é uma tentação. Se tivesse refrigerante e outras ofertas de guloseimas na cantina se constituiriam em uma exceção que meus filhos, talvez, escolhessem, porque não é o hábito de casa. “Minha família tem histórico de obesidade e hipertensão, tenho esta preocupação com o longo prazo. Preparar o lanche requer tempo e nem todos os pais têm disponibilidade nem orientação sobre alimentação saudável. Optar por bolachas é mais prático para nós”, comenta ao considerar que esta é uma lei desnecessária, os pais já deveriam ter consciência do que é indicado para promover a saúde dos filhos.
Welleny Marley Monteiro de Souza que também tem duas filhas no CECB conta que prefere organizar em casa o lanche de Flávia e Ana na maioria dos dias, porque as meninas têm intolerância a alguns itens como glúten e lactose e precisam de acompanhamento. Apesar da lei, Welleny tem cisma sobre o que as filhas escolhem para se alimentar na escola como no caso do hambúrguer que na opinião da mãe tem muito pão.
Dica profissional – A nutricionista e coordenadora do curso de Nutrição da UCB, deixa dicas para pais e cantineiros para o momento de pensar na merenda de acordo com a lei e a necessidade de promover a alimentação adequada em idade escolar.

Foto: Nutrição / UCB
A introdução de farinhas integrais na alimentação nesta faixa etária, bem como frutas são indicadas na hora do lanche. Cristine diz que é mais fácil e tem bom efeito levar a fruta inteira e, na escola tomar água, “é muito mais saudável comer a fruta”.
Ela conta sobre as oficinas que o curso de nutrição faz junto a crianças há cerca de oito anos na disciplina de técnicas dietéticas e no laboratório de educação alimentar e nutricional, onde ensinam preparar espetinhos e bonecos de frutas, usar queijo com menos gordura no sanduíche e cenoura ralada. Os universitários envolvidos no projeto estranham o nível de aceitação dos lanches pelas crianças. No início, elas resistem, e é normal, diz a profissional, mas vai acostumando o paladar.